sábado, fevereiro 07, 2004

Não gosto de "rótulos". Nunca rotulo ninguém e também não gosto que me rotulem.
Deve ser uma questão de criação. Quando eu nasci, a 2ª Guerra Mundial, tinha acabado havia meia dúzia de anos. A Europa ainda cheirava a mortos e os Açores tinham acabado de ser entregues aos "Aliados" pelo Governo Português.
No Liceu Nacional de Ponta Delgada ( tinha deixado de se chamar Antero de Quental ) não li Antero. Não fiz "Ginástica". Fiz "Lavores". enquanto os rapazes faziam Educação Física com o Prof. Augusto Moura, as raparigas faziam Lavores, com a Menina Zélia. Havia o portão dos rapazes e o portão das raparigas, e o recreio dos rapazes e o recreio das raparigas. Os rapazes não podiam vir juntos com as raparigas até aos portões do Liceu. Separavam-se a partir do canto do "Manteiga". Andávamos todos de bata branca e estudávamos "Moral". Era obrigatório. O Professor era normalmente um Padre.
Quinze dias depois de me casar mandaram o meu marido para Moçambique, para defender a Pátria e combater os "terroristas" durante pelo menos dois anos. Havia uma música, cantada pelo coro da FNAT ( Fundação Nacional de Alegria no Trabalho) que se chamava "Angola é Nossa". Havia umas senhoras de Lisboa, que eram da alta sociedade de então e que fizeram um Movimento que se chamava o "Movimento Nacional Feminino". Contavam-me os que vinham do "Ultramar" que elas apareciam nos aquartelamentos e levavam cigarros às Tropas. Havia também umas outras que eram as "Madrinhas de Guerra". Nunca percebi bem o que eram. Ouvi dizer que alguns soldados casaram com a sua Madrinha de Guerra.
Dois dos meus colegas do Liceu morreram na "guerra". Um, na Guiné. O outro, em Angola. Vieram numas urnas cobertas com a bandeira Portuguesa e tiveram honras militares. Ficavam sempre, as urnas dos soldados de cá de São Miguel, na Igreja de Santo André em câmara ardente. Eram os heróis do meu tempo.
Depois, houve o 25 de Abril. Só chegou a notícia a 26. Não se sabia bem o que é que tinha sido e então procurávamos ouvir as rádios de Lisboa a ver se se conseguia perceber mais alguma coisa. Confesso, que, na altura, a minha maior ansiedade era perceber se iam acabar com a "Guerra do Ultramar" para me devolverem o marido mais cedo. Sempre acabou por vir 4 meses antes dos 2 anos.
Depois, foi o que se sabe. Quando, com 24 anos, pela primeira vez pude ir votar, lembro-me como se fosse hoje. Estava tão nervosa como quando ia fazer exames ao Liceu.
Ainda me lembro de estar desconfiada se seria mesmo verdade que podia pôr ali o meu voto e ninguém saber em quem eu tinha votado.
É por tudo isto que não gosto que me ponham "rótulos".

P.S. "Fôfa de Frio" é uma palavra que também faz parte dos nossos dialectos dos Açores. É assim que se chamam as "Frieiras" na Ilha do Pico.